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Nada Ortodoxa e a Naturalização dos Relacionamentos Abusivos

“Deus esperava muito de mim. Agora preciso achar meu próprio caminho.”

Esther Shapiro – Nada Ortodoxa (série)

Em uma comunidade onde naturalizam casamentos arranjados e o afastamento das mulheres de um mundo exterior, Esty resolveu dar um fim ao seu sofrimento.

Sendo uma série de quatro capítulos adaptados de um livro do mesmo nome, podemos ver de forma bem clara como o fanatismo religioso pode, por muitas vezes, causar mais malefícios do que benefícios. Na série, é retratado como os ortodoxos levam algumas coisas ao pé da letra: Mulheres não podem deixar seus cabelos à mostra (então elas raspam), as relações se concentram apenas para repopular os mais de 6 milhões de judeus mortos na guerra (ou seja, mulheres são apenas para procriar), entre muitas outras coisas.

Sabendo que tem direito à cidadania alemã, Esty foge dos EUA para Berlim, e acaba fazendo amizade com um grupo de músicos. Ela é acolhida em um conservatório, mesmo sabendo que sua mãe vivia na cidade. A garota não foi até ela pois pensava que tinha sido abandonada. Porém, o que Esther não imaginava, é que sua comunidade perseguia todas as mulheres que fugiam. Principalmente quando elas carregavam um bebê no ventre.

Vamos imaginar um quebra-cabeça onde Esty é a peça central, e ao montá-lo, vamos emergir em uma imagem da naturalização dos relacionamentos abusivos na série.

Esty, sendo uma peça deslocada disso tudo, representa a coragem de quebrar as tradições. Ela foge de um ambiente sufocante, e a Alemanha espelha a busca da sua liberdade (mesmo que tenha que lidar com ameaças e perigos da própria comunidade).

Outra peça: a violência disfarçada de tradição. A imposição de Esty em ter relações apenas para procriar mostra como a manipulação e a subjugação são perpetuadas em nome da preservação da linhagem de judeus.

Cada movimento da peça central (Esty), é acompanhado por perseguição. Essa peça do quebra cabeça revela como a sua própria comunidade, ao invés de oferecer apoio, torna-se uma força opressiva. Inclusive isso é retratado através da sua solidão. Ela foi criada pelos avós pois tem a crença de que sua mãe a abandonou na infância para ir pra Berlim. Isso é um reflexo doloroso da desconexão e falta de apoio emocional dentro de estruturas tradicionais rígidas. Na verdade, Esty foi tirada da sua mãe de forma judicial quando a comunidade judaica a perseguiu.

Ao montar esse quebra-cabeça, uma realidade perturbadora se constrói na nossa frente. “Nada Ortodoxa” é uma série (e livro) que mostra um espelho corajoso que nos convida a questionar normas estabelecidas e a lutar pela dignidade, independente das tradições que nos definem.

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